As verdadeiras histórias de amor incluem sempre um número razoável de zangas, mal-entendidos inúteis, compromissos forçados e noites passadas em lados opostos da cama.
E mesmo que por algum milagre não o tenham feito, não há “felizes para sempre” que sejam eternos...
Talvez por também sofrer de alguns dos traumas negativos do pós-Covid e por ter sido privado de muitos convívios com as pessoas de quem gosto ao longo dos últimos meses, ou por outra qualquer razão que não consigo exprimir, dei por mim este ano, pela primeira vez desde a minha juventude, a prestar alguma atenção ao famoso Dia dos Namorados.
Por esta altura, seja qual for a hora do dia em que leia este artigo, os seus feeds do Facebook e do Instagram estão provavelmente repletos de arranjos de flores, de chocolates, telemóveis, e inúmeras histórias que descrevem a forma engraçada como duas pessoas se conheceram, a sorte que têm por se terem encontrado, como se sentem gratos, neste dia de amor especialmente, por estarem a mover-se pelo mundo juntos.
Estas histórias podem até ser incrivelmente genuínas e doces, mas o seu efeito cumulativo em nós, claramente NÃO....
Haverá com certeza piores crimes do que amar alguém e escrever sobre isso... Como pode ser malicioso contar uma bonita história de amor ou partilhar outra vez uma foto apaixonada neste dia de um novo alguém que entrou nas nossas vidas? O discurso público mediático dos dias de hoje é geralmente tão pessimista, tão atormentado pela ira e pelo desespero, que certamente não há mal nenhum em partilhar um pouco de alegria.
O problema é que muitas pessoas se sentem realmente mal ou inseguras...
Muitos já estão sós, por força da pandemia ou das suas próprias decisões de vida, e ainda são abalroados pelo mediatismo do Dia dos Namorados para relembrar vezes sem conta quão difícil a sua situação realmente é... Ou para os outros que são razoavelmente felizes nas suas próprias relações, mas as relações dos outros parecem, pelo menos neste dia, mais felizes de alguma forma. Uma relação mais doce, mais dedicada, ou a prenda que podia ainda ser melhor....
Não importa que a ficção subjacente a cada conto “felizes para sempre” seja universalmente compreendida.
As verdadeiras histórias de amor incluem sempre um número razoável de zangas, mal-entendidos inúteis, compromissos forçados e noites passadas em lados opostos da cama. E mesmo que por algum milagre não o tenham feito, não há “felizes para sempre” que sejam eternos...
Grande parte da infelicidade gerada pelas redes sociais não provém do seu efeito tóxico na sociedade global
A esta altura o leitor dirá, e com razão que nada disto é novo, claro. As pessoas sempre se sentiram magoadas, e as pessoas sempre se sentiram sós, e o Dia dos Namorados sempre agravou esses sentimentos.
A grande diferença é que agora as redes sociais, Facebook, Instagram (e provavelmente o Tik Tok, mas ainda resisto a desperdiçar o meu tempo nesta app), conseguiram transformar as nossas vidas sociais num permanente ambiente de teenagers com borbulhas na cara... novamente temos os miúdos mais populares da escola a vangloriar-se perante os seus encontros ou elas com as suas prendas generosas.
Existem inúmeras e variadas razões para detestar e condenar as redes sociais e o modelo de negócio predador e abusivo que elas escondem... desde a propagação de fake news que impactam a opinião livre dos cidadãos, a polarização política e social das sociedades, acabando no despejo de toda e qualquer informação privada de cada um de nós para ser vendida à melhor oferta, transformando as nossas vidas pessoais numa commodity transacionável.
Mas grande parte da infelicidade gerada pelas redes sociais não provém do seu efeito tóxico na sociedade global.
Vem do seu efeito tóxico sobre nós próprios e as nossas inseguranças. As publicações quasi-perfeitas no Facebook e Instagram de famosos e influencers não estão mais próximas da vida real do que aqueles programas televisivos deploráveis de reality show, e talvez até tenhamos perfeita consciência de que as histórias são “exageradas” e as imagens são “melhoradas”, mas, ainda assim, tudo isto nos faz sentir mal.
Provavelmente não existem muitas pessoas que saem de 30 minutos no Instagram a sentirem-se muito bem consigo mesmas, com os seus corpos ou feições.
Não admira que a solidão seja a nova epidemia, e a solidão do século XXI não é como a solidão do século XX. Agora ela é exacerbada por centenas - ou milhares - de “amigos” que temos online. Todo o Dia dos Namorados, as suas juras de amor, joias e posts deslumbrados.
Durante todo o dia, à luz de velas, doces e flores enfiados debaixo dos nossos narizes. Não se sentem enjoados com este cheiro??
O verdadeiro amor, romântico, é uma coisa única, mas não é a única maneira de se sentir reconhecido, de se sentir visto ou mesmo de se sentir amado. Nem sei se é a maneira mais importante de sentir essas coisas. A felicidade mais completa pode vir através da nossa comunidade - uma verdadeira comunidade de pessoas reais.
Não admira que a solidão seja a nova epidemia, e a solidão do século XXI não é como a solidão do século XX
Quer essa comunidade inclua ou não um parceiro, ela tem sempre uma Família, uma Fé, Amigos e Colegas, e definitivamente não surge de uma plataforma online que semeia discórdia e tristeza, um algoritmo que apenas aprofunda os medos e ansiedades de cada um.
Se usasse o Facebook neste Dia de São Valentim, era o que escreveria. Se ainda publicasse posts do Dia dos Namorados num site cheio de declarações públicas de amor, aqui está o que eu escreveria a qualquer um que esteja sozinho, cujo coração está só, partido, ou que sofre um amor que se foi muito cedo deste mundo:
O que quer que o mundo pareça determinado a dizer-nos neste dia por amor que exclui tanta gente, ninguém está sozinho. Somos feitos uns para os outros....
Fonte: EXPANSÃO