Tipicamente, uma pessoa que lidera através do controlo de meios e procedimentos, efectivamente, isola-se criando um círculo interno de indivíduos favorecidos que não o desafiam.

Espera-se que os de fora obedeçam às ordens sem compreender ou questionar as decisões tomadas pelo líder máximo.A tragédia humana a que estamos a assistir com a invasão deliberada e consequente destruição da Ucrânia pela Rússia, apanhou-nos a todos, sem excepção, desprevenidos.

Durante muitos anos os líderes europeus quiseram acreditar que Putin seria de alguma forma “controlável” na sua ambição, e toda uma nova geração de jovens, nunca sequer sonhou com a possibilidade de voltarmos tão rapidamente aos erros do século passado.

Em 15 dias todo o discurso político, prioridades e estratégias foram redesenhados, estando agora no topo da agenda a soberania e segurança dos territórios, energia e matérias-primas. Na prática, o acto vil e insano de Vladimir Putin irá provavelmente criar uma nova ordem económica para este século, com um forte retrocesso da integração económica global.

Para além destas consequências mais mediáticas, podemos e devemos reflectir sobre as condições que permitem que um só homem decida, de forma unilateral e totalmente autoritária, sobre a destruição física de um Pais soberano e provavelmente a destruição económica do seu próprio país.

Logo após o início do ataque, surgiram relatos na imprensa internacional que observavam o facto de o Presidente russo ter alterado os seus comportamentos, após dois anos um quase total isolamento durante a pandemia.

Os líderes mundiais que interagiram recentemente com Putin nos esforços diplomáticos para mudar o seu rumo de acção e aqueles que o conheciam do passado confirmaram que ele não é o mesmo da era pré-pandemia. Putin, conhecido como um assumido calculista de situações de risco, cometeu três erros de avaliação graves:

  1. A determinação dos ucranianos em lutar pelo seu país;
  2. A resposta unida dos aliados da NATO|;
  3. Quão impopular seria atacar a Ucrânia perante o povo russo.

Os especialistas ainda apontam para as demonstrações excessivas de emoções de Putin, como fez no seu discurso anunciando a invasão da Ucrânia, quando normalmente sempre foi muito controlado.

Em suma, algo está errado. Mas será apenas uma encenação pensada para provocar o caos e a confusão nos seus inimigos? Ou pode o isolamento extremo de Putin tê-lo afectado nas suas faculdades mentais e no seu discernimento? Daquilo que sabemos sobre os impactos negativos da solidão nos indivíduos, este é um ponto relevante de análise para este contexto.

Ao longo dos últimos anos tenho trabalho com várias organizações, sejam de cariz familiar ou multinacionais, no campo da liderança e da cultura organizacional, e tipicamente as posições de topo apresentam sempre dificuldades de solidão na tomada de decisões complexas.

Pedro Garlito

Pode o isolamento extremo de Putin tê-lo afectado nas suas faculdades mentais e no seu discernimento?

Da minha experiência, os líderes que conscientemente, ou inconscientemente, se isolam em excesso são ainda mais imprevisíveis. Quando se sentem ameaçados, podem ser impulsivos, irracionais e propensos a avaliar mal uma situação complexa.

A solidão é um estado subjectivo de nos sentirmos sozinhos, mesmo que estejamos rodeados de pessoas. Por outro lado, o isolamento social é um estado objectivo de não estarmos fisicamente presentes com os outros.

Existe bastante literatura que investiga o impacto de longo prazo da solidão e do isolamento social, que demonstra que:

  • A solidão está associada a um desempenho cognitivo mais fraco, podendo prejudicar o controlo emocional e a autorregulação.
  • A desconexão social está relacionada com níveis mais baixos de bem-estar físico.
  • A solidão está associada ao abuso de substâncias toxicas, sintomas depressivos e ideias suicidas.

É impossível dizer ao certo qual o estado subjectivo de Putin e se se sente ou não só. De acordo com um artigo no The New York Times, durante toda a pandemia, Putin retirou-se para um “casulo” de distanciamento social — embora permitisse que a vida na Rússia voltasse essencialmente ao normal.

Fotos de Putin reunidos com líderes mundiais e a sua entourage mostram que o presidente da Rússia tem colocado uma grande distância física entre si e os outros nos últimos meses. Para além de um possível isolamento excessivo pela pandemia, o estilo autoritário e controlador de liderança de Putin é, por natureza isolado, e deve ser considerado nesta análise.

Tipicamente, existem três tipos de culturas relacionais que se aplicam a qualquer grupo, seja uma família, uma equipa de trabalho, uma organização ou uma nação: culturas de controlo, culturas de indiferença e culturas de conexão.

Uma cultura de controlo cria um ambiente que torna inseguro expressar opiniões e ideias divergentes

Os líderes que conseguem extrair o melhor daqueles que os rodeiam e cujos grupos apresentam sustentadamente um melhor desempenho são os líderes “conectados”. As suas lideranças caracterizam-se por relações saudáveis no trabalho e fora dele.

Eles têm consciência de que precisam de pessoas de confiança com quem podem ser eles próprios e que lhes darão feedback e contributos sinceros e honestos.

Estes líderes ligam-se propositadamente aos outros e não se isolam.

Através das suas atitudes, palavras e comportamentos, cultivam uma cultura de conexão no seio do grupo, pois comunicam uma visão inspiradora que une as pessoas, valorizam os indivíduos em vez de pensarem e tratarem-nos como meros meios para um fim, e dão às pessoas uma voz para partilharem as suas ideias e opiniões, valorizando o seu feedback.

A outra extremidade do espectro é uma cultura de controlo em que aqueles com poder e hierarquia dominam os outros. Tipicamente, uma pessoa que lidera através do controlo de meios e procedimentos, efectivamente isola-se criando um círculo inter- no de indivíduos favorecidos que não o desafiam.

Espera-se que os de fora obedeçam às ordens sem compreender ou questionar as decisões tomadas pelo líder máximo.

Uma cultura de controlo cria um ambiente que torna inseguro expressar opiniões e ideias divergentes e, por isso, como medida de autoproteção, as pessoas só dizem ao líder o que este quer ouvir ou optam por ficar calados, especialmente se a informação que detêm é contrária ao que o líder acredita ou que levará a consequências negativas.

São estes sucessivos bloqueios dos fluxos de informação e conhecimento que impedem os decisores de obter a informação de que necessitam para tomar as decisões certas.

Quando estas armadilhas de conhecimento são predominantes numa organização, o resultado e desempenho colectivo saem sempre prejudicados.

 


Fonte: EXPANSÃO