A principal razão é que este sistema assenta no princípio base de que só o “Chefe” manda. Ora, logo se manda então só o “Chefe” pensa, só o “Chefe” sabe... e, pior ainda, só quando o “Chefe” está presente é que se decide! E aqui começam os problemas do mundo real...

Angola tem enraizada uma forte cultura de admiração à personalidade dos Líderes, os Chefes... acredito mesmo que “Chefe” deva ser a palavra mais utilizada do vocabulário em Angola, pois por detrás dela decorre um infinito conjunto de actividades e consequências para toda a população.

Aqui se corre, grita, come e trabalha por ordens do “Chefe”, a todos os níveis e muitas vezes sem sequer percebermos realmente porquê, ou ainda, quem era o “Chefe” que desencadeou aquela determinada ação...

O “culto à personalidade” foi popularizado na década de 50 pelo Partido Comunista da União Soviética. Khrushchov tomou o posto de secretário-geral deste partido, após a morte de Joseph Stalin, assumindo a liderança da URSS até 1964 e promovendo as reformas que começariam a desmontar a estrutura rígida de centralização política e económica que havia tomado o Estado soviético.

Após o pronunciamento de Khrushchov, o termo passou a ser usado para referir-se à estratégia política de exacerbada exaltação dos líderes de Estado, especialmente em contextos autoritários.

Este conceito remete-nos para uma forma de propaganda que eleva a figura dos líderes a dimensões quase míticas ou religiosas.

O culto à personalidade parte da conceção equivocada de que a história não é feita pela sociedade em si, mas unicamente pelas ações de grandes figuras capazes de manifestar a vontade geral.

Essa conceção não é um erro acidental, ela foi e é usada como forma estratégica de legitimar a dominação exercida pelo líder, pré-justificando as suas ações e criando uma atmosfera de adoração e medo.

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Para alem das trágicas consequências históricas que advêm do Cavaleiro de Cavalos Brancos da Coreia do Norte ou do destímido Pescador de tronco nu dos Lagos gelados da Sibéria, existe um outro lado perverso que é normalmente menos falado, mas que provavelmente está na origem da total incapacidade destas sociedades se refazerem e se desenvolverem no médio prazo, após o desaparecimento destes “Chefes”.

A principal razão é que este sistema assenta no princípio base de que só o “Chefe” manda. Ora, logo se manda então só o “Chefe” pensa, só o “Chefe” sabe... e, pior ainda, só quando o “Chefe” está presente é que se decide! E aqui começam os problemas do mundo real...

É um erro acreditar que as melhores decisões só são tomadas por uma pessoa iluminada que age sozinha

Independentemente da competência, boa vontade, inteligência ou capacidade de trabalho de qualquer “Chefe”, e de que todos os manuais de boas práticas digam que por detrás de qualquer decisão deva estar sempre “um decisor”, alguém com a responsabilidade máxima para assumir um tema, é também igualmente verdade que estamos a falar de seres humanos iguais aos outros, que não podem estar disponíveis 24 horas por dia nem conhecer em detalhe todas as matérias.

Recentemente, a ministra do Ambiente de um país europeu foi muitíssimo criticada pela sua ausência num tema político relevante da sua área de competência, por estar de férias em Família.

A pressão da comunicação social foi de tal ordem que ela acabou mesmo por se demitir. Mas teria mesmo de ser assim? O facto de ser um “Chefe”, neste caso uma “Chefe”, significa automaticamente que esta mulher não pode ter uma família, descanso ou qualquer vida privada? Ou ainda, será que alguém acredita que esta “Chefe” pensa e decide tudo sozinha sem uma boa equipa que prepara todos os seus dossiers importantes?

É um erro acreditar que as melhores decisões só são tomadas por uma pessoa iluminada que age sozinha. Boas – e especialmente rápidas – decisões são tomadas em equipa. Esta visão já se revelou um estilo de gestão moderno, especialmente nos países mais desenvolvidos.

Aí, as decisões são tomadas de forma transparente em cadeias hierárquicas mais curtas. A responsabilidade não é afastada, mas partilhada, as tarefas são delegadas. A colaboração é uma necessidade nestas equipas – e ninguém é insubstituível. Nem mesmo um político de topo.

A ideia prevalecente dos líderes “Chefe” na sociedade em muitos países como Angola não só está ultrapassada, como também é prejudicial, porque as pessoas individuais podem estar erradas (ou mesmo querem enganar deliberadamente, como Trump ou Putin). E, no limite, porque as pessoas, às vezes, simplesmente falham! É da natureza humana.

A ideia prevalecente dos líderes “chefe” na sociedade, em países como Angola, está ultrapassada e é prejudicial.

Por mais compreensível que seja a nossa necessidade de um indivíduo a quem possamos atribuir responsabilidades e confiar, devemos finalmente crescer e não só perceber que os líderes são, naturalmente, também falíveis, mas também nos desvincularmos do desejo de que alguém como mãe ou pai cuide de nós e dos nossos problemas. As boas equipas podem simplesmente fazer isto melhor.

O que todos precisamos, na sociedade e nas organizações, são os líderes que melhor antecipam cada situação e depois a gerem bem: por outras palavras, uma estrutura dentro da qual coordenam as medidas necessárias e as iniciam rapidamente, porque os trabalhadores sabem o que têm de fazer e trabalham de forma transparente uns com os outros.

Resumindo: não uma única pessoa, mas uma equipa inteira de pessoas boas. A liderança aqui consiste menos em mostrar presença constante do que em desenhar ideias e desenvolver uma agenda de longo prazo – algo que realmente nem todos podem fazer e ainda podemos distinguir num líder talentoso.

Nestas lideranças, não só é possível para o líder tirar uns dias de férias porque deixa uma equipa competente e capaz de decidir no comando, mas as equipas também funcionam melhor em eventos ditos impensáveis, como têm ocorrido vezes demais nos últimos anos.

E, finalmente, isto também inclui acontecimentos extraordinários dentro de uma equipa governamental.

Infelizmente, esta ministra é um exemplo disso: os próprios políticos não são imunes a acontecimentos como a doença de um familiar próximo. No final, os próprios políticos também beneficiariam de um estilo moderno em que já não temos sempre de depender da presença e decisão de um Chefe, a cada nível hierárquico.

 


Fonte: EXPANSÃO