Angola pode ter numa nova política de emigração uma ferramenta interessante que ajude a resolver dificuldades imediatas, mas também servir interesses estratégicos futuros. Para tal, deve deixar cair preconceitos ideológicos do passado e fazer valer os seus direitos, recebendo uma compensação adequada...
Se alguma dúvida ainda restava, estes últimos meses ilustraram, de forma amarga, a complexa rede de interdependências que existe hoje à escala global. Ela começou por ser essencialmente financeira, depois das matérias-primas e cadeias de produção e, no futuro próximo, será também ao nível do mercado de trabalho.
Aquilo que hoje nos é apresentado normalmente como um problema com várias consequências negativas, (inflação galopante por constrangimentos das cadeias de produção, falta de competitividade na produção nacional, etc..), pode também ser olhado como uma oportunidade para Angola.
Através de uma Política de Emigração bem definida e direcionada, Angola poderia beneficiar não só no curto prazo, mas também como factor de desenvolvimento sustentável futuro.
O fenómeno da emigração, embora tão velho como o mundo, suscita sempre discussões acesas e apaixonadas, e não há ninguém que não tenha, a seu respeito, uma opinião carregada de apreensões, de ideologias ou mesmo de xenofobia, de sentimentos favoráveis ou resignados, de compreensão ou de incompreensão.
O trabalhador migrante é, consoante o interlocutor, ou o salvador que permite ao país viver e prosperar, ou o concorrente que exerce pressão sobre os salários (ou o «aliado» que permite exercê-la), ou o parasita que vem tomar ao autóctone o seu trabalho, o seu alojamento ou a sua filha.
Mas, é preciso reconhecê-lo, qualquer destas opiniões é geralmente irrefletida, sentimental ou «epidérmica», e este fenómeno que faz correr rios de tinta e de palavras é um dos menos conhecidos do nosso tempo. No entanto, a sua importância justifica que se procure compreendê-lo através de uma análise que, deixando deliberadamente de lado todo o aspecto sentimental, procure a racionalidade e incite à reflexão sobre um certo número de questões fundamentais.
Donde vêm os «emigrantes», os «estrangeiros», porque vêm, qual é a amplitude do fenómeno, quais são as vantagens que obtêm os países que exportam esta força de trabalho?
Se for bem trabalhado, este pode ser um factor de desenvolvimento de longo prazo para o País
As vantagens que o país de emigração tira dos seus emigrantes relacionam-se com o seu nível de desenvolvimento económico e social. Em geral, trata-se de um país que não consegue alimentar todos os seus habitantes e provê-los de um emprego; faltam-lhe divisas e não dispõe de mão-de-obra especializada e qualificada, enquanto a sua mão-de-obra indiferenciada é abundante.
Ora, o emigrante é, antes de mais, o homem que deixa no seu país «a sua parte do bolo comum» para ir consumir em outro país. A emigração reduz, portanto, o número daqueles que tomam parte no consumo, num país onde o habitante é sempre um consumidor, mas menos frequentemente um produtor.
Este aspecto reveste uma importância que seria errado ignorar. Por outro lado, tendo encontrado noutro país um emprego que lhe permite prover às suas necessidades e às da sua família, o emigrante terá como preocupação primordial enviar a esta o máximo de dinheiro (divisas). Não é incomum, efectivamente, que o emigrante transfira para o seu país de origem até 25% do seu salário.
Este envio representa para o país de origem do emigrante uma vantagem económica extremamente importante. Existem vários estudos publicados que ajudam a quantificar o benefício financeiro de equilíbrio da balança comercial que o fenómeno da emigração permitiu, de onde se destacam Portugal na segunda metade do seculo 20, e a Argélia, Grécia e Itália nas décadas de 50 a 70.
Além destas vantagens económicas directas, o país de emigração obtém uma outra, que é muito difícil de medir com precisão, mas que não é menos apreciável. No contacto com a novas sociedades na qual procura inserir-se, o emigrante adquire uma formação geral que o torna mais eficaz, mais produtivo.
E sobretudo, no contacto com o mundo industrializado, adquire um acervo de formação profissional e técnica, valioso para o seu país que, embora dispondo de mão-de-obra quantitativamente superabundante, sofre de escassez de trabalhadores formados.
Se for bem trabalhado, este pode ser um factor de desenvolvimento de longo prazo para o País que consiga promover o regresso do emigrante qualificado. Isto significa que uma política eficaz e bem direcionada de Emigração, pode e deve incluir mecanismos de “compensação” para os Países emissores de mão-de-obra excendentária.
A formação orientada da sua mão-de-obra seja mediante uma acção sobre os trabalhadores imigrados nos países mais desenvolvidos, seja por meio de assistência técnica nos países de origem (abertura de centros, estágios, formação de monitores, fornecimento de material pedagógico) aos indivíduos que viriam em seguida trabalhar temporariamente na Europa industrializada para completar a sua formação prática — constituiria uma forma de compensação muito razoável.
Adicionalmente, as autoridades dos países emigrantes devem acautelar um problema recorrente do passado:
A aquisição de uma qualificação não deve condenar os trabalhadores à emigração permanente.
É necessário, para tal, disseminar o recrutamento da mão-de-obra de forma a encarar esta formação, tanto no plano quantitativo, como no plano qualitativo, em função das necessidades do país de origem do trabalhador.
É esta a única solução que permitirá ao emigrante encontrar, quando regressa ao fim de alguns anos, empregos que o possam interessar. Isto complica, evidentemente, a tarefa dos países de imigração; mas é a condição necessária para uma migração efectuada em benefício das duas partes em causa.
Os trabalhadores que conviria formar deste modo, deveriam ser selecionados em função das necessidades futuras do país de emigração.
Em conclusão, Angola pode ter, numa nova Política de Emigração, uma ferramenta interessante que ajude a resolver dificuldades imediatas, mas também servir interesses estratégicos futuros.
Para tal, deve deixar cair preconceitos ideológicos do passado e fazer valer os seus direitos, recebendo uma compensação adequada pelo valor económico que representa o «capital humano» que se predispõe a exportar.
Fonte: EXPANSÃO