O acesso a divisas por parte dos agentes económicos (...) é o verdadeiro calcanhar de Aquiles que gera preços desproporcionais (...) e seria muito útil que o BNA trabalhasse para os resolver. Faz sentido e é justificável, nos dias de hoje, que um pagamento internacional de importação de um bem demore por vezes vários meses, quando no resto do mundo ela é feita em 24 horas?
Independentemente de todos os atrasos, solavancos ou dúvidas de percurso, é razoável admitir que o Banco Nacional, enquanto órgão regulador, tem ultrapassado etapas sucessivas na reforma do sistema financeiro e dos seus principais players.
Depois de estabilizada a política monetária e o sistema de paga- mentos, está agora a ser dado mais um passo importante para a credibilidade do sistema financeiro, com uma revisão constitucional que legitime o BNA na Autoridade Independente de Supervisão Macroprudencial Nacional.
Ao rever em detalhe as funções, responsabilidades e objectivos do BNA, podemos atestar a um conjunto muito diversificado de temas, muitos deles revestidos de enorme complexidade e exigência na resposta.
Para além do mandato principal de controlar a inflação e a estabilidade dos preços, o BNA assume-se ainda como autoridade cambial, gestor das reservas internacionais, financiador de última instância, supervisor e administrador do sistema de pagamentos e de regulador e supervisor de instituições financeiras bancárias e determinadas não bancárias.
A discussão seria longa sobre se tem hoje o BNA,(e em boa verdade qualquer outro banco central em outra geografia) a capacidade de resposta, organização, recursos e competências para um leque de responsabilidades tão vasto e exigente.
Analisando os desafios mais importantes até ao próximo ciclo eleitoral, claramente nem todos estes temas têm o mesmo grau de importância e convém reflectir sobre como abordar os mais importantes e impactantes para o desenvolvimento económico do País: Estabilidade de preços/controle da inflação: apesar de ser este o mandato principal de qualquer banco central, o BNA não tem tido um track-record exemplar neste domínio.
Foram muitas as fórmulas utilizadas para tentar controlar a inflação no passado, e existiram razoes válidas para que ela fosse elevada, mas no actual contexto económico tal já não se justifica, pois actualmente a inflação está essencialmente ancorada na política cambial.
Na prática, e num contexto de pouca pressão do mercado de trabalho e da pouca disponibilidade de crédito para a economia, a formação de preços depende essencialmente da política cambial, e da real e concorrencial acessibilidade de divisas por parte dos agentes económicos.
Continuamos hoje com mais de 20 bancos comerciais numa economia onde 10 já seriam suficientes
Este último ponto é o verdadeiro calcanhar de Aquiles que gera preços desproporcionais nos consumidores finais (e picos de inflação por arrasto) e seria muito útil que o BNA trabalhasse para os resolver. Faz sentido e é justificável, aos dias de hoje, que um pagamento internacional de importação de um bem demore por vezes vários meses, quando no resto do Mundo ela é feita em 24 horas?
Nos últimos anos foram dados alguns passos para melhorar a imagem da banca comercial. No entanto, continuamos hoje com mais de 20 bancos comerciais numa economia onde 10 já seriam suficientes, alguns com accionistas de idoneidade questionável e muitos deles com balanços sobrecarregados de erros passados e sem qualquer capacidade económica ou relevância para o sistema financeiro.
Não conseguimos, portanto, promover as tão desejadas fusões entre players, não fomos capazes de regular a idoneidade e o modelo de governo destas sociedades, nem sequer conseguimos ainda ter bancos internacionais de regresso ao mercado, por forma a aumentar a sã concorrência e credibilidade do sistema.
Seria injusto imputar ao BNA toda a responsabilidade pelo atraso ou insucesso destes processos, muitos deles de carácter político e que certamente extravasam as suas competências. Mas parecem por vezes, pouco eficazes, algumas discussões, iniciativas ou tomadas de posição.
O BNA poderia e deveria fazer mais para incentivar o crédito à economia. Em vez de se discutirem medidas de coacção sobre a falta de crédito, se existe lição que qualquer regulador pode tirar no nosso século, é que os agentes económicos privados se movimentam em função dos seus interesses, normalmente a criação de lucro accionista. Assim, cabe ao regulador criar as condições para tornar atractivo o aumento de crédito, ao invés das fontes alter- nativas de receitas actuais.
Seria injusto imputar ao BNA toda a responsabilidade pelo atraso ou insucesso destes processos
Por outro lado, se o BNA não consegue sozinho promover a consolidação e a reforma dos accionistas e do modelo de governo dos bancos, porque não procura alianças externas no contexto da SADC? Mais uma vez aqui podemos e devemos olhar para os exemplos que os outros nos dão.
Os bancos centrais europeus só se conseguiram libertar dos lobbies económicos e políticos dos seus países com o papel activo e supranacional do BCE. Ele é o regulador de facto ao nível dos países europeus e toma todas as decisões que os bancos centrais nacionais não conseguem.
Transição Digital,Segurança e Capacitação de Recursos Humanos
É agora inquestionável que a pandemia acelerou de forma irreversível a digitalização de muitos processos, estando uma vez mais o sistema financeiro na linha da frente desta nova grande vaga de inovação. A atitude pré-pandémica de quase negação dos reguladores para com as criptomoedas, fintech e big-tech, tem que rapidamente passar para a regulação e supervisão efectiva destes mecanismos e dos seus agentes.
Esta transição tem implicações profundas e valeria só por si um outro artigo de opinião em separado, mas fundamentalmente ela exigirá, a curto prazo, uma nova geração de Pessoas com conhecimentos muito diversos daqueles que actualmente existem e para os quais, normalmente, os executivos de topo sentem fragilidades técnicas que dificultam tomadas de decisão informadas.
Seria muito importante que o BNA não ficasse para trás nesta área.
As boas práticas sugerem que a administração se rodeie por um conselho técnico que apoie directamente nas decisões tecnológicas estratégicas e que se adquiram rapidamente as pessoas com o talento e os conhecimentos necessários para a transição que enfrentamos.
Fonte: EXPANSÃO